Segundo Rudá Ricci, o OP - Orçamento Participativo não é mais o mesmo. Não assusta a ninguém e também não garante uma revolução na gestão de uma cidade como Joinville. Muito pelo contrário. Talvez seja mais uma situação que dá vida à frase criada por Tomasi di Lampedusa: “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
O OP veio como uma grande inovação na definição orçamentária dos anos 80, uma revolução na gestão orçamentária pública que virou ritual no início do século XXI. E como ritual, não é mais garantia de dar poder a sociedade civil como também não altera profundamente os processos decisórios (em especial, de execução orçamentária) da gestão pública.
O que seria o OP, na sua origem? Uma experiência de democracia participativa que articula mecanismos de democracia direta (as plenárias) com democracia representativa (os conselhos do OP), mas restrito ao âmbito do executivo municipal.
60% das experiências não tiveram continuidade, ao mudar o gestor municipal, revelando dificuldades para se constituir como crença de good governance em nosso país. A descontinuidade sugere que o OP ainda está muito identificado com o PT. No próprio PT, apenas 50% das administrações que se reelegeram, o OP teve continuidade, revelando algum problema de convicção. A continuidade da experiência, significativamente, é maior em cidades pequenas e, não superamos 5% dos municípios brasileiros que adotaram o OP, significando dizer que a cultura da participação na elaboração do orçamento não se espraiou, não se consolidou em nosso país. Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros adotaram algum tipo de participação na execução de políticas públicas, mas o OP não se popularizou nesta mesma dimensão. Por qual motivo?
Primeiro – o OP ficou restrito ao executivo. Os nossos vereadores temem que a participação popular roube seu poder, como se não este não tivesse emanado do cidadão.
Segundo - o OP não delibera sobre o orçamento de custeio. Mesmo o de investimento, não supera 4% do total, um diminuto recurso que é deliberado, mas parcialmente executado efetivamente. Prefeitos que adotaram o OP são muito enfáticos: sobram obras não realizadas, uma situação que gera muita frustração e esvaziamento. Enfim, o OP não oferece aos cidadãos a discussão da folha de pagamento, número ou custos de cargos de confiança ou ainda a manutenção da máquina pública.
Terceiro - outras modalidades de participação na gestão pública competem com o OP. Este é o caso dos conselhos de direitos e gestão pública gerando um conflito de legitimidade e abrangência da representação social dos conselheiros. Alguns municípios adotaram um ciclo temático para incorporar temas e direitos específicos. Outros incluíram os conselhos de direitos e gestão pública no conselho do OP. Mas a contradição permanece. Afinal, o conselheiro do OP não teria um mandato mais representativo que o conselheiro da política cultural do município?
Quarto - a experiência envolve poucos órgãos da administração pública. A maioria das secretarias possui mecanismos e rotinas próprias para definir sua proposta orçamentária e até para executá-las. Há uma gama imensa de verbas vinculadas e mesmo fundos especiais que não são discutidos em plenárias do OP. Assim, poderíamos obrigar os executivos municipais a investir em fundos sociais (direitos da criança e adolescente, por exemplo), mas isto não ocorre na prática.
Quinto - as lideranças e representantes da sociedade civil não sabem governar, não sabem o que é um ciclo orçamentário, não sabem elaborar indicadores de monitoramento de ações e programas públicos e não existe qualquer iniciativa para superação deste déficit formativo.
Sexto - o OP não promove sua vocação: a reforma democrática do Estado. Mas, o que seria esta vocação? A vocação de substituir estruturas de gestão verticalizadas pelas estruturas horizontalizadas. E este é o tema mais complexo e delicado desta proposição que, justamente por este motivo, foi sendo deixada para uma outra encarnação.
Por todos problemas estruturais citados acima, o OP vai se reduzindo a um ritual, perdendo sua energia moral original. Em alguns casos, se incorporou ao sistema tradicional dos currais eleitorais. Também porque muitos governantes adotaram a lógica da precaução e prudência exageradas (nova denominação da realpolitik), temendo que a democracia direta se configure na organização de demandas sociais, ampliando a pressão sobre o difícil gerenciamento da máquina pública.
A vocação do OP seria a de construir um novo processo decisório na gestão pública, uma lógica que no exterior denomina-se structural holes. Não é pouco. No fim perdemos tempo precioso empreendendo um enorme esforço para mobilizar a sociedade com o objetivo de discutir unicamente como usar alguns míseros reais em obras e ações cosméticas.
Muito oportunos os esclarecimentos, capazes de fomentar inúmeras reflexões. Cada placa de OP exposta nas ruas desta cidade expõe a realidade destas observações.
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