domingo, 10 de março de 2013

Furacão sobre Cuba

 
 
 
Fernando Gabeira *

Grande parte dos neurônios da esquerda triunfante brasileira foi irremediavelmente perdida na guerra fria. Com seus aliados cubanos, ela nos jogou no século passado durante a visita da blogueira Yoani Sánchez.

Sartre pediria um dose de absinto para entender que outro furacão ameaça Cuba: a revolução digital. Marx precisaria de boas almofadas para acomodar seus furúnculos no bumbum ao contatar que uma ditadura comunista não resiste ao avanço tecnológico e científico da humanidade.

Cuba e Venezuela estão ligadas por fibra ótica. Do ponto de vista técnico, a ilha poderia estar toda conectada ao mundo e, pela criatividade e boa educação de seu povo, achar novos caminhos para superar seu atraso econômico. Mas o instrumento não pode ser usado em sua amplitude porque ameaça a estabilidade do governo. Para que o governo exista o atraso precisa sobreviver.

Yoani não é a primeira voz dissidente em Cuba. Mas foi a que melhor usou a conexão com o mundo não só para divulgar seus artigos, mas para garantir algum nível de proteção diante da burocracia. De longe, com seus cabelos longos, saias compridas, pode sugerir aquela personagem que sobe no fio e desanda a fazer milagre no filme Teorema, de Pasolini. Mas é articulada, responde a todas as perguntas, até às mais provocativas, e certamente também foi arrastada para o século passado com aquelas pessoas gritando palavras de ordem.

Digo isso porque no seu blog confessou que a experiência com os militantes brasileiros lhe lembrou coisas parecidas em Cuba, sobretudo os gritos de "traidora" contra uma vizinha que iria para o Porto de Mariel na grande debandada permitida pelo governo. Numa entrevista ressaltou que nem os jovens cubanos usam mais o termo ianque. Um forte cheiro de naftalina exalou não só dos cartazes e gritos, mas de toda a história da campanha organizada pela embaixada cubana, com apoio do batalhão digital do PT.

O curioso é que dentre aqueles cartazes havia um que Yoani empunharia com naturalidade: o que pede o fim do embargo econômico à ilha. O problema é o bloqueio mental, porque torna mais denso o cerco econômico. A manobra articulada pelos cubanos e seus aliados na esquerda é típica de estrategistas que perderam o contato com a realidade. Constantemente obtêm o oposto do que projetaram.

A campanha contra Yoani ampliou a repercussão de sua visita ao Brasil e estendeu o halo de simpatia em torno de uma pessoa que luta pela liberdade de expressão. Em todos os contatos espontâneos ela recebeu carinho no País. Isso talvez tenha mostrado rapidamente a uma estrangeira que nossa política externa expressa a vontade de um partido dominante, não a vontade nacional.

Os neurônios perdidos na guerra fria fazem enorme falta à esquerda no poder. Por que não contestar com argumentos a luta pela liberdade de expressão num regime ditatorial? Simplesmente porque a burocracia cubana e, agora, a brasileira já não se dispõem ao debate, apenas à desqualificação dos que delas divergem.

No livro de Reinaldo Arenas Antes que Anoiteça segui, emocionado, alguns lances do aniquilamento de uma geração de intelectuais e poetas pelas forças da repressão. Percebi que, tanto nele como em Raúl Rivero e mesmo em Juan Pedro Gutierrez, que vive em Havana, existe um grande vínculo com a vida, com os sentidos, e intuí que talvez venha daí a força para prosseguir adiante, apesar da aspereza do cotidiano numa ditadura.

No dossiê que os burocratas cubanos prepararam contra Yoani consta que ela gosta de comer bananas e, às vezes, tomar cerveja com os amigos. Seu último fim de semana foi passado no Rio. Deve ter percebido que o crime que lhe atribuem é uma delinquência de massa, com tanta gente tomando cerveja num domingo de muito calor. A burocracia investe contra isso não apenas pela cerveja ou mesmo pelas bananas. Ela investe contra o prazer, contra a vida, da mesma forma que investiu contra os antecessores de Yoani. Esse é o núcleo indestrutível que ela não consegue alcançar. Suas táticas puritanas no Brasil, então, não têm a mínima chance de prosperar.

Yes, nós temos bananas. O Brasil não é só um grupo de caras de barba vociferando nas ruas e nos blogs. A passagem de Yoani foi uma contribuição nacional para iluminar a realidade cubana e dissipar a aura de romantismo em torno da revolução. Os adversários ajudaram, é verdade. Fizeram a parte do leão, admito. Se continuo nesse tom, acabo me empolgando e escrevendo que os adversários são bons companheiros, ninguém pode negar...

Em alguns momentos você pode errar de século ou mesmo de alvo. Os sequestradores do embaixador americano, em setembro de 1969, quase o confundiram com o embaixador de Portugal. Quando houve um quebra-pau em Minas na passagem do Brizola por BH, um pouco antes do golpe de 64, José Maria Rabelo era protegido por um segurança que socava todo mundo aos gritos de "vamos acabar com esses comunistas!". José Maria agarrou-o pelos braços e disse: "Comunistas somos nós, comunistas somos nós". E ele respondeu: "Ah, bem".

A recepção que cubanos e petistas eletrônicos deram a Yoani não tem a graça do século passado. É um equívoco que envolve o destino de 11 milhões de cubanos e a reputação internacional do Brasil. No passado, pelo menos, havia alguma imaginação. Se um dia a esquerda encastelada no poder for obrigada a voltar a lutar nas ruas por uma causa justa, estará perdida. Imaginem quem será convencido por um grupo de pessoas, narizes de palhaço, gritando coisas do século passado... Ainda não perceberam que o século passou e levou consigo a Juventude Hitlerista, os Guardas Vermelhos, deixando-nos apenas com uns estridentes palhaços chamando de traidora uma jovem mulher cuja vida é o exercício de liberdade.

Eduardo Suplicy bem que tentou fazê-los discutir, mostrar que tudo aquilo era absurdo. O embaixador cubano chegou a perguntar se o senador não era da CIA. Suplicy da CIA? Só quem não o conhece poderia pensar nisso. E quem conhece um pouco a CIA sabe que, apesar de todas as suas loucuras, não seria ousada a esse ponto.

* Fernando Gabeira é jornalista

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

SERIA YOANI SÁNCHEZ A JOANA DARC DOS TEMPOS MODERNOS EM CUBA?

A cubana Yoani Sánchez era uma ilustre desconhecida da maioria dos brasileiros até desembarcar por aqui nesta semana quando militantes de esquerda, pró Castro, fizeram manifestações de repúdio a ela nos aeroportos e locais públicos da Bahia e Pernanbuco.
 
Segundo o Blog do Tarso, a blogueira cubana Yoani Sánchez é uma farsa. O blog afirma que uma investigação descobre fraude da blogueira cubana Yoani Sánchez. Velha opositora (Yoani tem 37 anos de idade enquando a ditadura Castrista já tem 54 anos) do governo cubano, a blogueira Yoani Sánchez teve um dos seus truques revelados pelo jornalista francês Salim Lamrani (Salim é ativista pró Cuba). De acordo com uma investigação conduzida por ele, o perfil de Yoani Sánchez no Twitter é artificialmente “bombado” por milhares de perfis falsos. Sob o nome de Generación Y, o mesmo do blog que a deixou famosa, o perfil de Yoani no microblog tem 214 mil seguidores. Considerada pela mídia estrangeira como “influente”, ela é seguida por apenas 32 cubanos ( não há acesso à internet ou celulares aos cidadãos cubanos em Cuba). (...)
 
Eu gostava, no passado, de ler as manifestações românticas sobre ideologias de esquerda e sua relação amorosa com Cuba, mas o mundo mudou e Cuba permanece lá, inerte, muito mais do que intacta, embora o volume de dólares no cambio negro seja maior que as divisas do país nos bancos ideológicos de Caracas e outras pesudo-republiquetas . O romantismo nos lega a imagem de um país 

adormecido, com certa pureza de princípios e medicinas curativas, uma bela adormecida anestesiada da esquerda.
 
 
A ideologia é hoje um tempero residual no contexto político moderno, os embates tem outra faceta, e são bem mais cruéis e ainda muito medievais.
 
Talvez devessemos decretar Cuba uma API - Area de Proteção Ideologica, para que nenhuma outra ideologia penetrasse em seu território, como aliás tem sido, de dentro para fora, nestes 54 anos de Castrismo.
 
Mas e o povo de Cuba o que pensa? A pergunta é mais ampla: O que o povo, e não a ditadura cubana, quer para si?
 
Lembro-me do filme do Werner Herzog, o "Enigma de Kaspar Hauser", em que um sujeito aprisionado por anos que é libertado mas não entende o mundo exterior, porque não lhe foi permitido o acesso nem a escolha de como viver diferente do que tinha, pouca luz, um cavalo de madeira e um tratador que lhe dava rações de comida diárias, visto que era prisionéiro num porão desde seu nascimento.
 
Porque Yoani Sanchez e seu blog teria um viés tão maligno e perverso, alardeado por Salim Lamrani, se o  ciberativismo do Julian Assange é comemorado por ele e pelas correntes de esquerdistas que a condenam. Para algumas coisas a ideia vale, para outras não.
 
Enfim, deixem a Yoani dizer o que pensa, porque se ela for a Jeanne d'Arc de Cuba, não serão os estudantes baianos ou pernambucanos que vão impedir isto, embora eu pense que isto está longe de acontecer pela falta de penetrabilidade de suas manifestações em sua terra natal. 
 
A contrarevolução em Cuba é mais fácil de ser protagonizada pela Marina de La Riva ou a Glória Estefen do que pela Yoani, afinal ela acaba servindo ao Castrismo (que anda meio morto e pedindo água) para manter acessa, fora de Cuba especialmente, a ideia de qie a "Ilha" é o paraíso e de que que o mundo ainda é governado por ideologias.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

POR UM CINTURÃO VERDE*


 
O Cinturão Verde de Joinville sofre uma intensa pressão para ocupação urbana por conta de três processo: O primeiro é a falta de políticas públicas para assistência, apoio e ações que desenvolvam uma agricultura e pecuária  familiar com a valorização e apoio a agricultura orgânica, manutenção ou incentivo às culturas que necessitam do solo rural numa região que deixou de ser objeto de interesse dos governos municiais neste  século; o segundo processo é o da invasão das áreas rurais e áreas de preservação por diversos métodos e formas, todos protagonizados pela falta de planejamento, fiscalização ou políticas públicas que privilegiem o desenvolvimento sustentável e equilibrado do território. Do Quiriri ao Jativoca, do Piraí ao Jarivatuba, do Morro do Amaral a Vigorelli e, do Cubatão ao Rio Bonito, percebem-se ocupações irregulares e fortes indícios de ilegalidades praticadas por grileiros e especuladores; o terceiro elemento que impacta sobre o Cinturão Verde é a pressão da conurbação exercida pelos municípios vizinhos, em especial ao Sul da cidade.

Este processo vem formando uma mancha contínua e em expansão constante e desordenada de descaracterização de um território típico que já foi importante produtor de arroz, horticultura, pecuária leiteira (Joinville foi até a década de 70 o maior produtor de leite de SC), banana, cana de açúcar, milho e outros produtos típicos da agricultura familiar de pequenas propriedades.

Outro grande problema é que a invasão do Cinturão Verde está sendo protagonizada sobre áreas de risco, ditas baratas, sujeitas à inundações ou que se caracterizam como de preservação permanente.

Cerca de 700 mil habitantes vivem entre e no entorno do Cinturão Verde de Joinville que é uma importante reserva territorial para o desenvolvimento sustentável do Município e da região, visto que alguns municípios tem praticado políticas de ocupação do território sem qualquer controle, destruindo a agricultura para dar lugar a especulação imobiliária, a implantação de empreendimentos industriais, destituídos de planos ou ações de compensação e mitigação. É como uma “corrida do ouro” que busca o Eldorado e deixa um extenso rastro de destruição e passivos que serão, ao final, pagos pela sociedade de diversas formas.

A pressão sobre o território do maior centro industrial de Santa Catarina, responsável por quase 25 % do PIB catarinense, fez crescer ao longos dos anos, esta mancha que avança em ondas mais ou menos concêntricas, ocupando, nas suas periferias, os espaços que oferecem menor resistência ao crescimento, comprometendo a qualidade do solo, da água e do ar e impactando em sérios riscos à população que ali se instala.

O “Cinturão Verde de Joinville,  é também um entorno vegetal razoavelmente preservado que sintetiza uma rica cultura e história. É, em parte, integrante da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica, mas com identidade própria, dadas as suas peculiaridades do entorno urbanizado e antropizado. Fazendo parte desta área incluem-se rios importantes como o Cubatão, Piraí e Palmital que são mananciais fundamentais de água e, a complexa e importante área ambiental que compõe a Lagoa do Saguaçu e Baia da Babitonga.  Estas áreas ambientais são ponto vital nas trocas gasosas entre o “organismo urbano” - com seus domos de poluição - e as já referidas áreas verdes do Cinturão.

O Cinturão Verde de Joinville está atualmente sob uma jurisdição de áreas rurais não urbanizáveis e portanto sem a possibilidade de ocupação extensiva para fins de urbanização de qualquer tipo. Dispõe de inúmeros mananciais e contém riquíssimo remanescente de Mata Atlântica ainda preservados, com fauna e flora diversificados, mesmo estando poucos quilômetros do centro  da cidade. Os mananciais do Cubatão e Piraí são responsáveis pelo abastecimento de água, sendo a sua preservação de importância e relevância não só municipal como regional, dada a quantidade de pessoas a que serve. É necessário frisar dizer que o planejamento da ocupação racional e sustentável nas áreas do Cinturão Verde é condição básica para a qualidade de vida dos habitantes de Joinville e, essencial para a preservação da fauna e flora locais.

As diretrizes da UNESCO para a Reserva da Biosfera falam em desenvolvimento de usos e práticas sociais sustentáveis. Conseqüentemente,  torna-se necessário um planejamento de uso, de ordenamento e de implantação de infraestrutura adequada à prossecução dessas metas, bem como sua inerente manutenção e recuperação onde já se encontra degradada.

Se existem grande empreendimentos que desejam se instalar em Joinville, poderia se imaginar políticas de ocupação do solo urbano, baseadas nos instrumentos da política urbana sugeridos no Estatuto das Cidades e no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Joinville,  que proporcione, ao mesmo tempo, uma redução na margem especulativa dos terrenos urbanos com ações de compensação e mitigação em áreas de interesse a preservação no Cinturão Verde.  Existem muitos exemplos a serem utilizados que lograram êxito e podem ser seguidos, fazendo um corte no congelamento de ideias e propostas que tenham como meta o desenvolvimento sustentável.

O Cinturão Verde de Joinville possui também um vasto acervo de patrimônio histórico arquitetônico e natural que a ser bem aproveitado poderá mudar, ou quem sabe manter, para sempre a sua vocação. No entanto, poucos lhe reconhecem ou desejam este reconhecimento, nem mesmo como uma identidade própria da cidade.

Rogério Ruschel diz: “As comunidades, assim como as pessoas e empresas, têm “personalidade” e imagem. Personalidade é o conjunto de características do objeto e a imagem reflete a percepção de terceiros desta personalidade. O América, o Espinheiros e a Bahia, por exemplo, têm “personalidades” próprias e imagens definidas. O Jardim Paraíso e a Zâmbia têm “personalidades” próprias, mas a imagem pode ser difusa.

Aqui eu opino: antes de querer destruir identidades como pretendem as instituições ligadas a indústria, à construção civil e aos loteadores e especuladores, melhor seria reforça-las, reconhece-las buscando valorizá-las e fazer que sua imagem deixe de ser difusa, pois uma imagem positiva agrega valor aos locais e precisa ser construída a partir de uma personalidade verdadeira, não como querem aqueles que executam a pressão especulativa para ocupar territórios ditos “baratos”.

Quem visitou ou conhece Os arrozais da Vila Nova, os riachos afluentes do Piraí, os manguezais, as margens do Rio Cubatão, os caminhos que envolvem a Estrada da Ilha, do Sul,  Hanaburgo, Morro do Amaral e tantos outras, sabe que essa personalidade existe e é verdadeira. Quem acessar o Google Earth e pairar por cima do Cinturão Verde de Joinville adjacente a Oeste, ao Leste ao Sul e Norte da cidade, não tem como não ver que essa identidade existe.

Então, ao invés de tornar urbanas, através das chamadas “Áreas de Transição”, aquilo que é rural e ocupar estes territórios com industriais ou mal planejados condomínios, Joinville tem uma oportunidade única para, de uma vez só, resolverem vários problemas:

1) executar as diretrizes que suscitam a sustentabilidade  expostas claramente no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável, privilegiando este desenvolvimento sustentável integrando as políticas de desenvolvimento dos vários municípios com uma supervisão de um conselho intermunicipal;
2) criar uma imagem sólida no Cinturão Verde de apoio a agricultura orgânica e familiar, apoio a novas atividades ligadas a ruralismo, ao turismo histórico e natural que se beneficiará com o fluxo de visitantes, para usufruto das populações locais, estimulando o turismo interno;
3) criar um mercado de trabalho associado a essas atividades que beneficiará uma região carente de emprego;
4) preservar os recursos naturais do Cinturão Verde de Joinville, compromisso assumido na aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável;
5) estabelecer uma política de adensamento do território urbano atual para maximizar e otimizar a utilização da infraestrutura instalada, reduzindo o custo de manutenção da cidade;
6) utilizar os instrumentos da politica urbana como a Preenpção e a Outorga Onerosa como mecanismos de regulação do valor do território e compensações aos passivos gerados pela urbanização.

 Só nos falta vontade política, nada mais.
 

(*) Texto adaptado da publicação “Desenvolvimento Urbano Sustentável – Uma proposta para o Cinturão Verde” – Ecohabitar.