sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

NÃO NA MINHA CIDADE


NÃO NO MEU QUINTAL, por Roberta Noroschny Schiessl*

NÃO NA MINHA CIDADE, por Sérgio Gollnick**

Roberta Noroschny Schiessl* - Urbanistas norte-americanos cunharam a expressão nimbo (not in my backyard), ou em bom português, “não no meu quintal” para se referir à resistência que grupos de moradores têm a projetos, benéficos para a cidade como um todo, mas que mexem na vida do bairro.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Adoro alguns urbanistas neófitos quando pinçam frases de efeito para justificar atitudes ou propostas injustificáveis. O termo inglês NIMBY (Not In My Back Yard) é usado para expressar, por alguns poucos urbanistas, grupos de pressão que representam parcelas da sociedade ou mesmo uma cidade inteira que se colocam contrários a grandes projetos, geralmente específicos (poré lá são conhecidos préviamente) que, segundo a avaliação destes grupos, descaracterizam ou prejudicam seu status de bairro e até mesmo da cidade onde vivem.

A mais do que consagrada jornalista Jane Jacobs fez parte de um destes grupo e, graças a ela, os bairros do Soho, Tribeca e Greenwich Village, além da Gran Central Terminal, em New York, foram salvos da demolição por conta de um projeto chamado “Lower Manhattan Expressway”. Nem por isto Jane Jacobs foi demonizada, ao contrário e ao que tudo indica, foi reverenciada por sua capacidade de articular e convencer governo e sociedade.

A verdade é que aqueles que pejorativamente cunharam de NIMBY estes movimentos de resistência contra a perda de qualidade de vida urbana, estão longe de ser uma escola de urbanismo, ao contrário, eles são uma diminuta e decadente vertente norteamericana, cujos propósitos são muito discutíveis, exatamente neste momento. Os EUA estão longe de ser o modelo de cidade a ser seguida nem o melhor exemplo que possamos ter para a nossa Joinville.

Então, que tal usarmos exemplos bem menos onipotentes ou ligados ao capital especulativo?

Posso citar muitos, mas vou me ater a Vauban, em Freiburg, no Sul da Alemanha. Lá, um grupo de 18 pessoas mudou aquilo que seria um amontoado de prédios residências para a classe C, propondo no lugar um dos projetos mais fantásticos, sustentáveis e exitosos do mundo.

O "Quartier Vauban", como lá foi denomidado, deveria ser o exemplo a ser seguido e citado pela Presidente do IPPUJ quando avalia movimentos sociais. A proposta que a sociedade de Freiburg aderiu foi a de edificar num espaço 40 hectares habitações com matrizes de sustentabilidade onde vivem cerca de 7 mil pessoas, sem automóveis, sem poluição, sem verticalização, com muito verde e espaço para ciclistas e pedestres, onde só se consomem produtos de origem orgânica produzidos na agricultura familiar, onde não os resíduos são totalmente tratados, com saneamento pleno, com autossutentabilidade na geração de energia elétrica sem agredção ao meio ambiente e, com um sistema de transporte que não polui. Um verdadeiro oásis de criatividade e o sonho para os urbanistas que são realmente preocupados com cidades sustentáveis. Em Freiburg, os NIMBY fizeram a diferença e são enaltecidos e respeitados pela sociedade.

Portanto, avaliando os exemplos, poderia dizer que cada um usa a linha de argumentação que melhor sustenta seu pensamento, suas convicções e atitudes.

Nos EUA, especialmente em algumas cidades que praticam, a gestão democrática, como New York, os NIMBYs não são demonizados, são aceitos e fazem parte do processo de gestão da cidade. E é fácil expplicar, pois o modelo de concentração e adensamento utilizado pelos centros urbanos dos EUA faliu quando o sistema imobiliário desabou. O capital e do poder especulativo faliram.

Será que não avisaram nossa presidente do IPPUJ que os EUA, onde ela buscou o exemplo que caracteriza o grupo de resistência da LOT,  estão amargurando talvez a maior crise da sua história, surgida exatamente do capital expeculativo sobre territórios urbanos? 

Então, se somos os NIMBYs, a pergunta que não cala é: Qual é o projeto para nossa cidade? Gostaríamos de saber, de ver, de mensurar vantagens e desvantagens e tudo mais que possa nos conferir segurança para as decisões a serem tomadas. Mas, se o projeto não existe ou não é reconhecido, partimos do princípio que não podemos admití-lo afinal, seria o mesmo que dar um cheque em branco aos políticos e ao capital especulativo. Alguém da sociedade arriscaria?

Roberta Noroschny Schiessl* - Ou seja, todos concordam que uma usina de tratamento de resíduos sólidos, um abrigo para pessoas carentes, parque eólico e acesso à moradia são ações importantes em prol do desenvolvimento sustentável coletivo. Pois é. Mas quem participou das discussões para elaboração do Plano Diretor de Joinville também concordou que para conter a expansão do perímetro urbano da cidade deveria a moradia ser aproximada do trabalho, promover-se-ia o adensamento preferencialmente onde a cidade oferece mais infraestrutura, que o transporte coletivo deva ser priorizado, dentre outras diretrizes.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Quem participou das oficinas onde foram debatidas as diretrizes para o Plano Diretor da Cidade sabe bem o que lá foi discutido e, não precisamos fazer nenhum esforço muito grande para entender os enunciados lá estabelecidos, basta ler o texto com muita atenção, mas principalmente interpretar com sabedoria o que significa a tal sustentabilidade desejada por Joinville.

Os princípios norteadores que definem as diretrizes do Plano Diretor são muito mais amplos do que esta mera, ridícula, articulada e desvirtuada discussão sobre verticalização e expansão da cidade sobre o cinturão verde.

O Poder Público a quem caberia o papel de animador e mediador deste process se ausentou, se omitiu, acovardou-se e tomou partido em direção a um seleto grupo de influência, preferindo não ouvir quem clamava por um maior e mais transparente debate, ou contra aqueles que se insurgiram contra a sua intenção do proprio Governo Municipal em aprovar sumáriamente uma proposta pronta, delineada em quatro paredes, sem o necessário debate público.

Quando deveria oferecer seu conhecimento e capacidade de articulação, voltou-se aos ranços, distanciando-se do debate sadio, criando abismos no relacionamento com a sociedade e, ao que tudo indica, permanece com seus fundamentos sólidos.

Quando a sociedade decidiu, em 2006, que perímetro urbano não deveria ser expandido, também decidiu que deveríamos ter uma política de proteção ao patrimônio natural, cultural, arquitetônico, preservar as peculiaridades e as identidades. Decidiu que deveríamos investir e reservar áreas para um polo tecnológico, não num banhado, mas numa área mais própria e aceessível . Naquele momento, nossos rios e mananciais foram um tema dominante e central com a preocupação de garantir água e sistema de drenagem eficientes para a cidade no agora e no futuro.

Discutiu os princípios norteadores da mobilidade urbana, da habitação de interesse social quando foram apontadas inúmeras áreas e situações para serem transformadas e Zonas Especiais de Interesse Social, as ZEIS.

Mas a pior parte da história e do "processo de planejamento" veio quando prevaleceu o mapa do macrozoneamento elaborado pelo IPPUJ, surgindo as zonas de transição para a expansão do perímetro urbano sobre as áreas rurais e, no acordo enre delegados, só passaram porque seriam prioritariamente destinadas a agroindústria, mineração e regularização de zonas de moradia já consolidadas. Se fosse diferente o guia espiritual do Plano Diretor se rebelaria, o saudoso Ivo Gramkow.

O mapa atual do macrozoneamento rural é uma mentira desenhada em tons pastéis (talvez propositais). Todas as ARTs serão, num futuro próximo, áreas urbanas e não de transição, pois quem está adquirindo terras nestas áreas não tem qualquer viés de agricultor.

A LOT não reproduz a preocupação nem as diretrizes sobre as áreas frágeis, sujeitas a alagamentos ou inundações. Não há qualquer plano de contingência ou propostas mais sustentáveis.

O Plano Diretor versa sobre sustentabilidade e, a LOT suprime o tema. Todos os textos, ou seriam desculpas, que ouvi até agora são de desprezo, de desrespeito e de sentimentos de raiva. Ao ver os debates da LOT nas Comissões de Urbanismo e Legislação e Justiça, fica absolutamente claro que faltam informações importantes, que o próprio orgão de origem desconhece as razões, ou esmera-se em omití-las, sempre desmerecendo qualquer consideração contrária, cujas atitudes ainda me passam uma sensação de preguiça.

Oferecer moradia, por exemplo, é muito mais do que verticalizar e não vale nem gastar muitas linhas com o que foi escrito sobre este tema, pois tudo que está proposto na LOT não está voltado à moradia dos excluídos. O projeto de lei está moldado unicamente ao mercado especulativo. Tenho convicção, por exemplo,  de que não serão os 6% da área urbana das ZRs 1 que irão resolver a falta de políticas públicas para moradia digna aos excluídos.  nem se atrveram a delimitar uma área sequer, mesmo que fosse dentro do bucolico, burguês, chique e necessário América. A dúvida é se não sabem ou não tem coragem

Aliás, quem esteve presente nas audiências do PLHIS - Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, sabe bem disto pois, não vi ninguém e nenhum técnico do IPPUJ por lá. Na LOT, o adensamento é entendido por prédios centrais e condomínios de chácaras para os novos burgueses localizados nas áreas de transição. Mas a grande contradição se estabelece quando se propõe construir indústrias nas áreas periféricas ainda mais distantes e sem infraestrutura urbana.

Hoje estamos adensando a cidade sem qualquer mudança de lei, apenas porque o mercado está em alta e, este mesmo segmento deseja terrenos mais baratos e atrativos, mais rentáveis que, certamente não serão direcionados á classe de menor renda. O discurso oficial desmorona quando, em nenhuma parte do território municipal, seja central ou periférico, se propôs uma única ZEI.

Roberta Noroschny Schiessl* - Acontece que quando o poder público norteia ações sob essa orientação, começam os problemas pontuais. Prédios mais altos? Pontos de ônibus ou supressão de estacionamento para implantação de corredores exclusivos de ônibus? Novos usos do solo (indústrias e comércios) perto das moradias? Moradias populares em bairros consolidados?

Sérgio Guilherme Gollnick ** - O Poder Público daqui está muito longe de nortear o que quer que seja. Sem planos estratégicos sobre temas relevantes, estamos à mercê de neófitos ou da tecnocracia encravada no governo cada vez mais aparelhado. Os discursos são para uma seleta plateia que de boba não tem nada e sabe como o empirismo  pode lhe servir bem.

Prédios altos?. O que significa isto? Manhhatan é uma das áreas mais verticalizadas do planeta, mas sua densidade é menor que Paris (18.000 hab/km2, x 21.000 hab/km2) . Malmö, a quarta mais importante cidade da Suécia e uma das mais qualificadas e sustentáveis do mundo conta com 1.200 hab/km2 para uma área total de 138 km2. Sem qualquer verticalização concentrada, mantém um excepcional nível de qualidade de vida. Outros tantos exemplos podem ser seguidos.
Podemos prospectar modelos diferentes de adensamento e, sem dúvida alguma, resultados diferentes também. O conceito de densidade urbana não tem haver com galagar o caminho aos céus. Ele deve vir com outros instrumentos de ocupação do espaço urbano, mescla usos e densidades em escalas e regiões diferentes como, também por razões diferentes. Para isto são necessárias estratégias combinadas, é necessário uma plano que permita implantá-las, um plano de massas ou um simples mapa de densidades. Mas isto não foi feito, pois serviria bem a compreensão do que seremos no futuro e esta lacuna não foi preenchida por desconhecimento ou pressa.

Falar de transporte coletivo é uma coisa, falar de mobilidade é outra. Quando não temos planos, os passageiros somem e entram nos carros. Daí o governo quer se esconder atrás de discursinhos enfadonhos, omitindo a prática correte (asfaltamento sem passeios) que se coloca na contramão deste próprio discurso.

Pergunto: Quanto custa um tachão refletivo? Quanto custa um metro quadrado de passeio em concreto alisado? Quantos taxões foram implantados na cidade nestes últimos anos? Quantos metros quadrados de passeios foram executados?

Sobre moradias, já disse anteriormente, não há qualquer polític e então não se pode fazer este discurso fumacento.

Roberta Noroschny Schiessl* - Argumentos em prol da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente são os primeiros a serem apresentados para respaldar a rejeição dos moradores do entorno das áreas afetadas pelas mudanças. A manifestação é legítima e contemplada pela liberdade de expressão. A mesma liberdade de expressão que se contava quando das oficinas que embasaram o teor do Plano Diretor da cidade.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Um resumo breve. As oficinas do Plano Diretor foram conquistadas pela sociedade. A liberdade de expressão é um direito de qualquer cidadão. O exercício da cidade democrática é que foi extirpado pelo Poder Público que, não o aplica excluindo-se da lei que recomenda o debate público. O Plano Diretor é legítimo, a LOT não.

Roberta Noroschny Schiessl* - Então, o que faz as pessoas mudarem de ideia? Todos concordam com a lei em tese, mas ninguém quer os efeitos de sua aplicação na vizinhança. Exemplos disso se dão na inconsistência entre o discurso e a prática. Em Joinville, há quem defenda pública e vigorosamente a prioridade da cidade para o pedestre, mas não se dispõe a arrumar a própria calçada.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Ninguém mudou de ideia. Quem não quer entender a ideia é o Poder Público que se esmera em defender as suas proprias ideias dissociadas da Lei. Diz um filosofo italiano do qual não recordo agora o nome: “Governo fraco, povo indolente.”

Roberta Noroschny Schiessl* - Como o próprio nome já diz, o modo “nimbo” de enxergar a cidade não é exclusividade de Joinville. Recentemente, um bairro paulistano se insurgiu contra implantação de estação de metrô e outro contra ampliação de um abrigo para pessoas carentes. Os dois exemplos resultaram em debates sobre preconceito contra circulação de pessoas de baixa renda, ou ditas “diferenciadas” em bairros nobres.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Sobre isto, se estou incluído entre os NIMBYs, sinto-me orgulhosos de fazer parte deste movimento que é legítimo.

Roberta Noroschny Schiessl* - Qualidade de vida é mantida por construções que observem índices urbanísticos adequados e sustentabilidade nos projetos arquitetônicos, pela cidade compacta. Não é mandando para longe a ocupação do solo, ampliando distâncias e agravando os problemas de mobilidade. Meio ambiente tem regramento próprio e prevalece sobre uso e ocupação do solo. Zoneamento não é carta branca para degradação ambiental. Ou seja, a cidade é vista do ponto de vista do meu quintal. Mas nos dos outros, com o rigor da lei.

Sérgio Guilherme Gollnick ** - Eu acho que esta última avaliação transparece, talvez, como uma perfeita autocrítica, para aqueles que defende a Lei de Ordenamento Territorial como está e em regime sumário de votação e aprovação.

Uma cidade com 216 km2 de área urbana, não será compactada pelo modelo proposto. Compactos serão os que terão os os lucros sobre esta proposta de ocupação, produzindo prédios luxuosos nas cercanias da área central e para os que compraram terras, no último ano, na estrada da Ilha, do Oeste e Paranaguamirim. Para estes, os que defendem a aprovação sumária da LOT tem especial apreço.

Já aquela parcela das bordas, destituída de infraestrutura, continuará lá, sem planos, programas, compensações, compactação e atenção.

*ADVOGADA, PRESIDENTE DO IPPUJ

** ARQUITETO E URBANISTA









quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

VAMOS ACORDAR?

O discurso desenvolvimentista com frases de efeito e terror afirmando que Joinville vai perder investimentos caso não seja aprovada a Lei de Ordenamento Territorial é a cortina de fumaça protagonizada por setores especulativos que pressionam ferozmente o executivo e o legislativo. O objetivo é único: tomar as áreas que ainda reservam qualidade de vida e, o nosso imprescindível cinturão verde.

Na década de 70 e 80, o público eram os trabalhadores das indústrias, mais pobres, quando os mangues foram os alvos da cobiça, legando um custo social imenso. Hoje grandes empresários, articulam e negociam dentro dos poderes para tomar nossos territórios “virgens”, destruindo a cidade de Joinville nas suas mais notáveis identidades.

O discurso da verticalização sem “masterplan” é inescrupuloso. Hoje, a cidade pode ser verticalizada em 92% de sua área urbana. E está ocorrendo por conta do crescimento econômico ou programas como “Minha Casa Minha Vida”. Joinville dispensa o modelo de verticalização defendido pelo executivo e legislativo.

A proposta é absurda quando subtrai áreas verdes, gera sombras, impacta na mobilidade, interfere drasticamente no meio ambiente e, ao contrário do discurso oficial, onera a cidade aos menos favorecidos. Pior, não corrige distorções atuais, não apresenta políticas públicas nem plano algum, agravando o problema das periferias que continuarão a abrigar excluídos, sem o direito pleno a cidade justa (saúde, educação, cultura, lazer, segurança e transporte de qualidade).

Com o atual zoneamento, Joinville pode atender, com folga, 1,8 milhões de habitantes. Podemos ocupar áreas urbanas ociosas para atender as demandas dos setores produtivos e imobiliários. Não precisamos de 30 pavimentos nem das terras rurais que deveriam nos abastecer com alimentos e ar puro. Mas nada disto importa, pois o jogo sujo, sorrateiro, recheado de enunciados mentirosos esconde interesses milionários, onde muito dinheiro está em jogo para poucos, ou melhor, os mesmos de sempre.

Falta-nos coragem para reagir contra este plano que objetiva alimentar apenas os poderosos e influentes, que pouco se importam com o destino da cidade, dos menos afortunados ou da perda das nossas identidades. Mas surgem vários setores da sociedade que não se mostram cegos, surdos, tolos e mudos. , Desejam conquistar, se necessário na justiça, à construção de uma cidade democrática, onde os planos para a almejada qualidade de vida sejam resultantes de um pacto social para todos. E eu ainda espero que Joinville acorde.