quinta-feira, 5 de maio de 2011

SOB ENCOMENDA?

O PLANO PÔNCIO PILATUS

O termo “lavar as mãos” é uma atitude, sobretudo higiênica. Ela nos resguarda da companhia de hóspedes indesejados – como vermes e micróbio nocivos à saúde. Mas além desse significado salutar, a frase feita tem outro nem tanto assim, já que também serve para identificar um tipo de procedimento nada recomendável: o da fuga à responsabilidade, da abstenção quanto à tomada de decisões importantes, ou então o fingimento de que não se tem nada a ver com o que possa acontecer a alguém, ou em algum lugar. A origem dessa expressão popular está na passagem bíblica que relata a condenação de Jesus Cristo à morte na Cruz - no Evangelho de São Mateus (27:11-26).

Portanto, usar o termo “lavar as mãos” vem de longa data e, apesar disso, mantém a sua atualidade. Gerações aceitaram o “não ter nada com isso”, como um padrão de comportamento, de jogar sobre os ombros de terceiros a responsabilidade que no momento, a função ou cargo lhe atribuía. Hoje, essa atitude ultrapassou a simples semântica alcançando um padrão de comportamento onde, no Brasil, o episódio do “mensalão” nos fez entender melhor seu efeito quando o mandatário maior do país disse desconhecer a maracutaia articulada na porta ao lado do seu gabinete. Ou seja, assumimos a frase como um modus vivendi, onde ninguém é responsável por coisa nenhuma, razão pela qual nos reconhecemos como uma nação de espertinhos e espertalhões, multiplicando-se como ervas daninha aos bons princípios e à boa cultura.

Foi, ao ler uma mensagem na rede social, que me inspirei a escrever este texto. A mensagem dizia - Poncio Pilatus, ao "lavar as mãos" agiu politicamente correto? Para mim, foi pura COVARDIA! Ele poderia, com apenas um gesto, livrar Jesus daquele pesadelo, mas optou pelo lado mais cômodo. É mais fácil e mais cômodo ser covarde!

Pois bem, ao ler a proposta de ordenamento territorial como lei acessória ao Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável elaborada pelo IPPUJ, em fase de análise no Conselho da Cidade, percebi que ela não apresenta perspectiva para o desenvolvimento sustentável de Joinville. É omissa quanto às responsabilidades do poder público no exercício da sua estrita tarefa de planejar e organizar o território, que acabará por lhe ceifar definitivamente o já cambaleante exercício do poder de polícia administrativa.

A ver o mapa que foi produzido para o ordenamento territorial, que está em debate, percebo melhor a afirmativa do ex- presidente do IPPUJ, quando dizia que “a lei de zoneamento será uma guerra quadra a quadra” e, pelo que vi, vai prevalecer o modelo suscitado. É como colocar uma carniça à disposição de leões e gatinhos. Os leões tomarão conta de toda a carniça e, caso os gatinhos não se organizem, serão comidos também.

Pois bem, o IPPUJ ao invés de utilizar sua estrutura técnica e de pessoas habilitadas para exercerem a tarefa de planejar a cidade elaborando os documentos estratégicos preconizados no Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável, resolveu esquivar-se, não sei se por incapacidade ou por preguiça, deixando para o Conselho da Cidade e Câmara de Vereadores a tarefa de esquadrinhar o uso da cidade. Porém antes, convenientemente estabeleceu um vasto território de expansão urbana que irracionalmente propõe ocupar áreas frágeis, inadequadas à exploração humana e, então, jogar para a sociedade a definição das particularidades, deixando numa arena a disputa pelos interesses, cuja correlação de forças irá beneficiar única e exclusivamente os leões.

Há algum tempo atrás eu tinha alguma dúvida se este processo estava destituído de intensões premeditadas. Hoje, estou me convencendo que o cenário político, a condução dos assuntos estratégicos relacionados ao Plano Diretor associada com formas sumárias de apreciação dos temas que deveriam apenas se esgotar no limiar de um amplo debate, é conduzida de forma intencional e num padrão autoritário. Minha dedução se dá pela leitura de súmulas e atas.

Sendo assim, o Pôncio Pilatus local tem mais um viés de ardil do que de covardia.

Por fim, o que está posto na mesa é de fato uma carniça urbanística. Coloca a cidade num espectro de depreciação territorial, fortalecendo ainda mais desagregação do tecido urbano, desrespeitando regras básicas de sustentabilidade, desconsiderando o zoneamento ecológico-econômico, omitindo interesses e acentuando as exclusões.

A porposta não apresenta uma agenda de compromissos para a Cidade do Futuro ao não estabelecer “mínimos operacionais” quanto à mobilidade urbana, preservação de territórios frágeis, proteção e recuperação de áreas de risco, áreas de tratamento de resíduos e efluentes, antevisão da integração e relações com territórios vizinhos, estabelecimento de áreas destinadas às operações urbanas e, deixa de apontar as áreas que necessitam de planos estratégicos para recuperação socioeconômica e ambiental, o que na instrumentação estabelecida pelo Estatuto das Cidades convencionou-se chamar Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS.

Outros tantos temas foram ignorados e, a dúvida persiste se a proposta adotada segue a linha de Pôncio Pilatus usando o "lavar as mãos" para não se comprometer ou, se a ação é premeditada. Aos gatinos deixo uma recomendação, aproveitando o pensamento do humorista Millôr Fernandes para dizer que existem apenas duas alternativas: "ou deixamos também de “lavar as mãos”, ou então nos locupletemos todos."