segunda-feira, 23 de agosto de 2010

TRANSPORTE PÚBLICO DE QUALIDADE - SEM PRIORIDADE


Olhe em volta, observe a rua. O que você vê? O espaço das ruas, que chamamos de espaço público, está ocupado, em sua imensa maioria por carros. Calçadas, ciclovias e espaços destinados ao transporte coletivo, juntos, somam menos de 10% deste espaço e, os poucos que existem estão em péssimas condições de manutenção.

Vivemos uma crise de mobilidade que tem ingredientes como o aumento dos congestionamentos, a poluição atmosférica, a ocupação dos pronto socorros por acidentados no trânsito, as próprias mortes no trânsito e o aumento do tempo para o deslocamento que implica em enormes prejuízos econômicos. A infra-estrutura é um fator determinante no planejamento das cidades e são as vias o mais importante e maior meio de demanda para os deslocamentos das pessoas e mercadorias. O crescimento exponencial da frota de automóveis entra na contramão dos investimentos em infra-estrutura e, quando existem são direcionados justamente ao automóvel, não aos modos não motorizados ou coletivos, destinando recursos públicos para o privado, especialmente o carro e a moto.

Isto significa que estamos determinando prioridade a um modelo de mobilidade excludente focado no automóvel, que tem recebido nos últimos 2 anos mais de 20 bilhões de reais em incentivo fiscais do governo federal para a produção e venda de carros, beneficiando montadoras, concessionárias e, ilusóriamente, a população. Outra soma imensa de recursos federais estão sendo destinadas para as rodovias e os incentivos tributários e investimentos de governos estaduais e locais em avenidas, pontes e viadutos para os carros. Com 20 bilhões poderíamos implantar 500 quilometros de VLTs, 720 quilometros de corredores exclusivos para ônibus ou trolebus e outros 150 quilometros de metrô, atendendo a uma imensa população de excluídos além de economizar outros tantos bilhões que a falta de mobilidade gera sobre a economia.

Investir e melhorar o sistema de transporte público,  como serviço essencial determinado pela Constituição Federal, tem sido ignorada e negligenciada por todas as esferas de governo, especialmente a municipal a quem cabe esta responsabilidade. Os investimentos são insuficientes, pouqíssimos são os subsídios  e os usuários pagam integralmente os custos de operação do sistema de transporte, incluindo as gratuidades e descontos (estudantes, idosos e pessoas com deficiência, por exemplo), todos os tributos municipais e federais que somam mais de 40% do valor das tarifas.

O quadro só será alterado com a pressão da sociedade organizada sobre o poder público. EstA é a síntese do pensamento do Fórum Nacional de Reforma Urbana, lembrando que o transporte público não aparece nem se destaca em nenhum dos programas daqueles candidatos que hoje pleiteiam governar o país.

Transporte Coletivo Municipal - Direito a Qualidade do Serviço

Freqüentemente, aqueles que têm a necessidade de andar de ônibus para se locomover, deparam-se com problemas como superlotação, veículos sucateados, desconforto etc., e poucas vezes se perguntam se não têm o direito de exigir um transporte coletivo de qualidade.

Poucos sabem que o transporte urbano que transita pelas ruas todos os dias é um Serviço Público delegado do Município ao particular, sendo que este possui a obrigação de o prestar de forma eficiente e adequada, cabendo ao Poder Público o dever de fiscalização e de intervenção para que este serviço seja prestado com qualidade.

O inciso V do artigo 30 da atual Constituição da República Federativa do Brasil assim o prevê:

" Art. 30. Compete aos Municípios:

(...)

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial"

Cabe, inicialmente, para facilitar o desenvolvimento do estudo proposto, conceituar Serviço Público.

Nas palavras do eminente professor Helly Lopes Meireles, "Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado" (DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO, Ed. Malheiros, 2002, p. 320).

O transporte coletivo, dentro do conceito latu sensu de Serviço Público, expendido acima, pode ser definido com um serviço de utilidade pública, pois visa a facilitar a vida da coletividade, colocando à disposição veículos para lhe proporcionar maior conforto, velocidade e modicidade na locomoção.

Em face disso, a natureza deste serviço é uti siniguli, ou seja, direcionado apenas aos usuários que o remuneram por meio de tarifas.

Embora a remuneração principal do concessionário não provenha do Poder Executivo, é dele a incumbência de fiscalizar e interceder para que este serviço de transporte seja prestado de forma eficiente à coletividade.

Helly Lopes Meireles, em sua Obra "Direito Administrativo Brasileiro", traz, sinteticamente, as obrigações da entidade concessionária para com a coletividade, as quais devem ser objetos de controle pelo Poder Público:

"Os requisitos do Serviço público ou de utilidade pública são sintetizados, modernamente, em cinco princípios que a Administração deve ter sempre presentes, para exigi-los de quem os preste: o princípio da permanência impõe a continuidade no serviço; o da generalidade impõe serviço igual para todos; o da eficiência exige a atualização do serviço; o da modicidade exige tarifas razoáveis; e o da cortesiatraduz-se em bom tratamento para com o público. Faltando qualquer desses requisitos em um Serviço Público ou de utilidade pública, é dever da Administração intervir para restabelecer seu regular funcionamento ou retomar a sua prestação" – grifou-se (p. 321).

O que verifica-se, atualmente, é uma Administração Pública displicente ao fiscalizar os concessionários e, ao mesmo tempo, acessível às suplicas das empresas no que diz respeito ao ajuste das tarifas.

Assim, de um lado vê-se um concessionário preocupado apenas com o aumento de seus lucros e de outro um Executivo Municipal negligente, que acaba não se preocupando com os administrados, cedendo às pressões para o "restabelecimento do equilíbrio econômico", freqüentemente postulado, e ignorando a modicidade da tarifa e a eficiência do serviço, que devem ser observados na prestação do serviço delegado, como bem acentuado pelo professor Helly L. Meireles.

Ora, como o próprio nome já diz, os concessionários de Serviços Públicos ou de utilidade pública têm como fim precípuo servir o público, sendo, portanto, inadmissível que o serviços sejam prestados de forma dissiduosa, visando apenas o lucro gerado pela tarifa cobrada dos usuários.

Dessa forma, inconcebível, no transporte coletivo, estarem até os corredores dos veículos lotados, fazendo com que, muitas vezes, trabalhadores se atrasem e coloquem em risco os empregos que os sustentam por não conseguir sequer entrar no ônibus.

É de se exigir do Poder Público que use de suas prerrogativas típicas dos contratos administrativos, como o é o de concessão, e fazer com que os concessionários prestem um serviço de qualidade ou, então, revogar a delegação por interesse público, inclusive encampando o serviço, se necessário.

Nesse sentido, Helly Lopes Meireles ensina que "é dever do concedente exigir sua prestação em caráter geral, permanente, regular, eficiente e com tarifas módicas", salientando que "no poder de fiscalização está implícito o de intervenção para regular o serviço quando estiver sendo prestado deficientemente aos usuários" (Direito Administrativo Brasileiro, 2002, p. 373).

A Lei (1)dá, ainda, a possibilidade para os próprios cidadãos exercerem este direito de fiscalização, pois "aquele a quem for negado o serviço adequado (art. 7º, I) ou que sofrer-lhe a interrupção pode, judicialmente, exigir em seu favor o cumprimento da obrigação do concessionário inadimplente, exercitando um direito subjetivo próprio" (MELLO, Celso A. B., inCURSO DE DIRETO ADMINISTRATIVO, Ed. Malheiros, 2000, p. 638).

Contudo, há de se ter em vista que os usuários do transporte coletivo urbano são, em sua maioria, pessoas sem recursos financeiros e, em geral, de baixa escolaridade, que sequer imaginam estar fazendo uso de um Serviço Público delegado e que podem recorrer ao Poder Jurisdicional para vê-lo prestado de forma eficiente.

Com efeito, não é crível que tais cidadãos vão, efetivamente, exercer tal direito trazido pela lei, não podendo, em face deste dispositivo legal, a Administração deixar o ônus da fiscalização ao administrado.

Sublinhe-se, por derradeiro, que a necessidade de o Poder Executivo agir de forma responsável na fiscalização das concessões de transporte coletivo, bem como verificar se as condições estabelecidas no contrato estão sendo cumpridas pelo concessionário, decorre de lei, fazendo-se imperioso, portanto, que este tome as medidas cabíveis para a efetiva defesa dos interesses da coletividade, consoante determinam os Princípios da Legalidade e da Supremacia do Interesse Público, que regem a Administração Pública de um modo geral.

Destarte, os cidadãos possuem o direito à qualidade do transporte coletivo, não devendo se submeter às verdadeiras torturas diárias dentro dos ônibus, causadas pela falta de fiscalização do Executivo Municipal. Devem, sim, exigir do Poder Público o cumprimento do disposto na atual Constituição da República Federativa do Brasil e que tome as medidas necessárias para a efetiva defesa dos interesses dos administrados

Texto postado em> JUS NAVIGANDI - http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4299