O efeito inovador e qualificador desta modal de transporte público sobre a cidade foi imediato, e assim até hoje permanece sendo, renovado e ampliado constantemente. O projeto de Strasbourg para a Europa quebrou um paradigma. Até então, grande parte dos planos de transportes urbano público para cidades de médio porte tinham sua principal matriz energética os derivados de petróleo. Hoje, 16 anos depois de implantado o Tram de Strasbourg, nada menos que 280 cidades somente na Europa estão planejando, implantado ou já implantaram este sistema de bondes urbanos modernos e, invariavelmente, todas elas tem na modal e na matriz energética a linha e a lógica do planejamento e da requalificação urbana.
Pois bem, então eu tenho que discordar de algumas afirmações de que o VLT não é viável no Brasil ou em Joinville, minha cidade, justificadas estas afirmativas de que o tamanho do sistema, o número de habitantes ou ainda o número de passageiros não é suficientemente grande e, portanto, venha a ser um fator determinante para a inviabilidade deste tipo de modal de transporte moderno. Não é! Das 280 cidades que citei anteriormente, 70% tem população e número de passageiros menor que a população de Joinville e de muitas outras cidades do Brasil e ainda, menor demanda por transporte público. Esta demanda tem duas óticas distintas. Lá a proposta é oferecer um meio de transporte confiável, moderno e atraente para reduzir o número de viagens individuais e qualificar a cidade. Aqui, o transporte é uma necessidade, um fator de equilíbrio e justiça social, podendo ainda agregar os fatores europeus.
Faço aqui, como exemplo uma relação de cidades e sua população - Nantes-Fr (270 mil), Narbonne-Fr (45 mil), Freiburg-Al (220 mil), Florença-It (365 mil), Nancy-Fr (150 mil), e outras que implantaram o VLT nos últimos 15 anos ou, estão em fase de implantação, como é o caso de Florença na Itália. Algumas cidades resgataram através do projeto o bonde que havia sido extinto em meados do século passado por força dos fabricantes de chassi e carrocerias de ônibus, como aqui. A propósito, a cidade de Strasbourg tem na sua área urbana 270 mil habitantes, mas o sistema do VLT atende uma área metropolitana com aproximadamente 700 mil habitantes.
Outra curiosidade sobre Strasbourg é que antes da implantação do seu VLT, o sistema de transporte público urbano transportava 2,1 milhões de passageiros mês e, logo no primeiro ano de operação do VLT, este número passou para 5,8 milhões. Hoje o sistema de transporte atende mais 12 milhões de passageiros por mês, sendo a principal modal da mobilidade urbana.
Há duas semanas estive em Strasbourg e não pude deixar de utilizar o VLT. Paguei para andar neste fantástico sistema de transporte uma tarifa de 1,2 euros, ou seja, aproximadamente 3,6 reais (tarifa sem redução). Se adquirisse um cartão para o mês (sem limite de número de viagens) pagaria 67 euros ou o equivalente a 200 reais. Imaginando que aqui eu utilize o transporte em duas viagens por dia, por 30 dias, pagaria aproximadamente 140 reais. Pois bem, se analisarmos todos os aspectos que envolvem este sistema, do investimento á integração multimodal, da modernidade a longevidade que traduzem qualidade ao sistema de transportes de Strasbourg, as considerações que vem sendo levantadas sobre inviabilidade não tem lógica.
O custo do transporte urbano deve ser analisado por diversas óticas e não apenas pelo custo da tarifa. Cada passageiro que o sistema passa a transportar significa um carro ou uma moto a menos no trânsito. Pelo lado dos impactos econômicos e ambientais são diversos os benefícios e todos eles devem fazer parte da análise de viabilidade.
Outro bom exemplo: um dos mais completos e modernos sistemas de transporte do mundo, da cidade de Paris, que integra metrô, ônibus e VLT tem uma tarifa de 1,14 euros para as zonas 1 a 3 que atendem a uma população de aproximadamente 1,3 milhões de habitantes. Adquirindo um cartão para o mês (sem limitação de viagens) o custo é de 67 euros e, se comprada para 1 ano (sem limitação de viagens) o usuário pagará 556 euros, ou seja, aproximadamente 0,76 euros por viagem = 2,28 reais. As zonas 4 a 6 integram as cidades dos arredores de Paris tem uma tarifa diferenciada, pois passa a interrelacionar com o trem metropolitano, chamado de RER e, pela extensão do serviço e do custo operacional, o preço é obviamente maior.
Quebrar paradigmas nas questões e problemas urbanos deve ser um ato consciente de inteligência, planejamento, arrojo e coragem, sempre de forma responsável e com a concordância de quem será o beneficiário. Governos devem enxergar o futuro e não um mandato. Eis porque estamos andando à ré, ainda sobre chassis de caminhão encarroçados para transportar pessoas, movidos a óleo diesel de quinta categoria. E para isto, pagamos muito caro.
A lógica da análise sobre o transporte público aqui na minha cidade e neste país está equivocada. Focar a política de transporte unicamente pelo lado do custo, da carga tributária, ou da falta de viabilidade, como tem sido apregoado nas desculpas dos últimos tempos, me parece que virou a tábua de salvação pela falta de propostas consistentes e bem planejadas. Talvez o mais certo é que o excesso de conivência entre governos e fabricantes de chassis, carrocerias e operadores concessionários façam com que os sistemas de transporte públicos urbanos ofereçam unicamente privilégios a quem dele aufere lucros.
Sérgio Guilherme Gollnick
postado origininalmente no blog Viver Urbanamente - http://gollnick.blog.terra.com.br/2009/06/08/o-tram-de-strasbourg/
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