A visão de que o trânsito mexe apenas com quem tem maior poder aquisitivo e nada tem haver com aqueles que carecem de transporte público é um equívoco, pois apenas produz uma cortina de fumaça para desviar as atenções para a falta de uma política pública de mobilidade urbana. Quando o trânsito para, para o sistema de transporte público, para o sistema de distribuição de cargas e mercadorias, param os atendimentos emergenciais e, com isto uma parcela da economia, gerando assim perdas que se refletem não apenas na economia, mas permeiam pela saúde pública, pela educação, pelo meio ambiente, etc.
Poucos têm a percepção de que a solução para a mobilidade urbana necessita da definição de estratégias que sejam reconhecidas pela sociedade e, isto passa não apenas pela prioridade ao transporte público. Necessita de uma equação para definir o preço da tarifa a ser pago pelo usuário, por um marco regulatório moderno, pela desoneração dos insumos, pela implantação de tecnologias limpas, pela qualidade do sistema público, pela priorização dos modos não motorizados com a implantação de infra-estruturas capazes de atraí-los, por um planejamento urbano capaz de definir usos que permitam conectividades e complementaridade, mas sobretudo, pelo reconhecimento de que o problema existe, é grave, necessita de políticas e ações urgentes e eficazes.
Em Joinville, em se falando de transporte motorizado, utilizamos 99,5% da frota de veículos individuais para transportar 60% das pessoas e, para transportar os demais 40% utilizamos ½% da frota, representada, em sua maior parte, pelos ônibus do transporte público. Isto nos dá uma idéia de onde investir, sem contar que o transporte público polui seis vezes menos e consome menos energia.
Dois problemas são os maiores responsáveis pela perda da mobilidade urbana nas grandes cidades. O primeiro é a inexistência de uma política pública, a nível nacional, que privilegie o transporte público e o não motorizado, desonerando insumos, implantando subsídios e financiamento para a modernização da frota e da infra-estrutura. Ao contrário, a política nacional privilegia o transporte individual quando desonera do IPI para a compra do veículo individual. O outro grande equívoco é político, técnico e econômico. Refere-se a quanto custa o serviço; quanto o empresário vai receber tendo em vista alguma margem de produtividade e lucro e; quanto dessa remuneração vai ser paga pelo usuário. Por exemplo, na Itália, do custo total apenas 18% é custeado pelo usuário. Aqui, 100% do custo é paga pelos usuários, inclusive as gratuidades obrigatórias.
O táxi faz transporte individual sob a permissão pública e está isento do IPVA, do IPI, do ICMS e do ISS, e a tarifa de táxi no Brasil é uma das mais altas do mundo. O setor do transporte coletivo, ao contrário, não tem isenção nem incentivos.
Na tarifa do transporte público, cerca de 25% são impostos diretos, taxas e tributos. Outros 25% são as gratuidades num sistema de subsídio cruzado pago pelos usuários convencionais. Assim, é necessário desonerar o transporte público da tributação e arrumar fontes de custeio para as gratuidades. Isto resolveria uma parte do problema com a redução imediata do preço da tarifa. Pensar em repassar parte dos impostos arrecadados pela indústria automobilística para subsidiar as políticas de mobilidade é lógico, mas qual será o governo que terá coragem de fazer isto? O fato é que a população banca a saúde pública, a educação e até os estádios de futebol que irão ser construídos ou reformados para a copa, tudo com recursos do orçamento, mas não se ouve falar em subsidiar o transporte público. E ele está igualmente à disposição de todos, só que apenas os usuários preferenciais, mais pobres, bancam o sistema por inteiro. Para o transporte público não existe uma política social como a da energia, onde os pequenos consumidores são parcialmente isentos com a criação de um fundo financiador.
Com a combinação de várias fontes, e com o poder público assumindo a tarefa de definir políticas públicas que absorvam parte dos custos, como ocorre nos países desenvolvidos, podemos sonhar com uma mobilidade urbana saudável e, talvez, sustentável. Precisamos também de uma maior variedade de serviços para o transporte coletivo, com qualidade para atrair o usuário do automóvel. Se conseguirmos inverter essa situação, e o jeito mais fácil é diversificação, qualidade e custo, o círculo vicioso estará rompido e o próprio poder público será o indutor e o regulador do sistema.
Não podemos mais adiar sua discussão sobre a utilização de energias limpas. O caso do uso do gás precisa ser inserida no sistema de forma obrigatória, com uma logística de abastecimento, os planos de contingência, e evolução tecnológica do material rodante.
Mas tudo isso deve partir de duas premissas obrigatórias: ampla discussão e viabilidade. Nosso modelo de planejamento de transporte está estagnado. Operamos ainda sob um modelo de zonas de tráfego por regiões de comportamento similares, ou seja, para pessoas que têm hábitos similares, mesmo nível de poder econômico, padrão de mobilidade parecidos e tratados como usuários padrão. Pior, as zonas de operação, controladas por dois operadores, tem como princípio o resultado contábil de igualdade de receita, pouco importando os desejos e demandas existentes.
O planejamento necessita dimensionar oferta compreendendo que o usuário é um cliente que deseja um tratamento diferenciado, cada vez mais individual e não coletivo. Nosso tratamento da demanda não acompanha as tendências ou os anseios da sociedade que, na falta de resposta, anda no sentido do sonhado transporte individual. Assim como faz a indústria automobilística, o planejamento do transporte público precisa realizar pesquisas de mercado e de opinião para agregar mais qualificação à gestão. A partir daí começa o trabalho, coisa que não tem sido muito desejada pelos gestores.
Mas tudo isso deve partir de duas premissas obrigatórias: ampla discussão e viabilidade. Nosso modelo de planejamento de transporte está estagnado. Operamos ainda sob um modelo de zonas de tráfego por regiões de comportamento similares, ou seja, para pessoas que têm hábitos similares, mesmo nível de poder econômico, padrão de mobilidade parecidos e tratados como usuários padrão. Pior, as zonas de operação, controladas por dois operadores, tem como princípio o resultado contábil de igualdade de receita, pouco importando os desejos e demandas existentes.
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