terça-feira, 26 de abril de 2011

A NOSSA INFEDELIDADE COM O RIO CACHOEIRA

A beira do rio Cachoeira constitui parte importante do patrimônio histórico de Joinville, pois conforma um amplo segmento urbano que interliga diversos bairros, do Guanabara ao Boa Vista, passando pelo Bucarein, Centro, Saguaçu, América, Santo Antônio e Distrito Industrial. Ao longo de suas margens o rio oferece diferentes pontos de vista para a cidade. No entanto, o ponto de vista da cidade para o rio é desfocada, abandonando justamente aquele que teve, e ainda terá, um papel histórico fundamental na construção da cidade.

O Rio Cachoeira foi o ponto de chegada e de partida como atracadouro, por onde chegaram os primeiros imigrantes e por onde partia a riqueza aqui produzida. Foi, nos primeiros anos do nascimento da cidade, a principal infraestrutura para a circulação de pessoas e mercadorias. Ademais, configura uma paisagem natural belíssima, compondo-se com a paisagem da história da cidade de Joinville, que teima e não reconhecer a sua importância.

Com o advento da estrada de ferro e as ligações rodoviárias para o Norte, Sul e interior do Estado, o rio deixou de ser necessário como via para o transporte, perdendo interesse econômico que, por consequência, passou a ser desconsiderado pelas pessoas que aqui viveram e vivem.

Desde então, a cidade passou a virar as costas para o Rio Cachoeira transformando-o na latrina da cidade e também a maior de suas “dores de cabeça”, lembrado-o unicamente pelas enchentes ou pela poluição, já que virou vala para todos os tipos de despejos e resíduos.

Joinville, cidade de 160 anos, com mais de 500 mil habitantes e centro regional desde sempre tem um acervo de cultura material e imaterial que se mantém sem a amplitude e visibilidade pública que merece, fazendo com muito destes patrimônios venham a ser esquecidos e, portanto, abandonados.

Se não conseguimos reconhecer o nosso antigo cais do porto como um ponto destacado da história local, é certo que estamos sofrendo de uma contaminação da memória, onde apenas é importante o que é supérfluo, midiático e passageiro. Este mal nos leva ao inexorável esquecimento da dança, do folclore, das festas populares, das manifestações históricas, dos contadores de história, do ruralismos, da gastronomia típica e de tantas outras identidades que vem sendo perdidas.

Nossas raízes passam a ser tênues no imaginário popular, sem os registros que nos identificam e estão sumindo. Mesmo as outras novas formas de emergência da cultura urbana carecem de valorização, onde “lugares” e espaços públicos articulados, integrados e bem cuidados poderiam servir como importantes vetores para resgate e incentivo de todas as expressões da cultura local. No fundo, necessitamos recriar ou resgatar o nosso cais, o porto onde possamos amarrar com segurança as nossas culturas.

Neste ponto destaca-se a importância histórica e simbólica do rio Cachoeira, a localização central de seu leito no espaço urbano conotando importância estratégica para a gestão urbana de Joinville. Interligando importantes bairros da cidade, margeando áreas verdes, áreas onde estão situados setores de população de baixa renda, áreas de comércio central, áreas de patrimônio arquitetônico, áreas industriais e de conecção da malha viária urbana, o rio não deve apenas ser despoluído em sua carga liquida, mas primordialmente transformado no mais importante espaço de uso público para a população local e para os que visitam nossa cidade.

Se devidamente valorizado, o rio pode novamente comandar a vida das relações sociais, econômicas e ser responsável pela reprodução das condições de diferentes grupos sociais. O rio pode ainda ser a fonte de abastecimento do consumo cultural e ambiental urbano além de elemento fundamental na articulação dos vários espaços da cidade, servindo à articulação interna (e externa) do espaço urbano.

Símbolo da existência da cidade, o Rio Cachoeira merece um lugar de destaque no uso público da cidade.

O projeto não necessita ser apenas um capricho da elite dirigente e técnica da cidade para viabilizar uma urbanização e paisagismo das margens. É necessário explorar o efeito de sua escala na paisagem urbana bem como o desenvolvimento histórico que configurou a sociedade local. Preservar e resgatar sua presença no espaço da cidade, apesar dos novos equipamentos e do fortalecimento de sub-centros em direção aos eixos viários, trará uma nova oportunidade de usufruir deste espaço público nobre, ofertando variações inimagináveis de cenários, do ambiente natural ao ambiente histórico, do ambiente construído às novas formas de ocupação do espaço urbano ou pela simples e imprescindível oportunidade de construir uma cidade mais sustentável.

Por fim, embora tenhamos o rio no coração da cidade, é necessário trabalhar em prol de uma educação de inclusão e convivência pública, resgatando sua vitalidade e a sua atratividade, especialmente no tocante ao uso do espaço marginal para uma finalidade pública, ao lazer e à cultura, vencendo as poucas alternativas propostas pelo poder público que parecem alinhadas ou pactuadas com as diversas formas de acumulação interminável do capital.

Tem muitas coisas que me incomodam em Joinville, mas o abandono do Rio Cachoeira é o maior dos atestados de infidelidade para com a minha cidade natal e, portanto, serei impertinente, chato, crítico mas também decisivamente pró-ativo em buscar e propor alternativas que o transforme num motivo de orgulho e alta estima.

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